Contra a redução da maioridade penal!
Câmara dos deputados vota proposta amanhã, Coletivo Negro Kimpa é contra
por Julia Conceição e Solon Neto
por Julia Conceição e Solon Neto
Imagem: Ike Bittencourt
Amanhã, dia 30/06/2015, a câmara dos deputados, presidida por Eduardo Cunha (PMDB), levará à votação a proposta de redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Caso passe pela votação aberta dos 513 deputados federais, a proposta seguirá para o Senado, instância em que, se aprovada, influenciará o destino de milhões de jovens brasileiros, em especial de jovens negros.
O debate público sobre a redução tem sido controverso e capitaneado por uma Imprensa que pouco discute os detalhes e consequências dessa medida. Pouco se fala do super encarceramento brasileiro, que põe 600 mil pessoas atrás das grades em situação precária; da seletividade penal que escolhe jovens e negros como vítimas principais; das desigualdades raciais e da situação alarmante vivida pelo jovem no Brasil, que corresponde a mais da metade de todos os homicídios registrados em solo nacional, dos quais 77% são contra negros; ou mesmo o fato de que a redução não diminuiu a violência em nenhum país que tenha aplicado a medida anteriormente.
O menor de idade no Brasil já é responsabilizado por eventuais crimes
Não é preciso ir muito longe para perceber que a motivação de crimes cometidos por jovens no Brasil passa pela negligência social. Ou seja, a desigualdade e a miséria são também responsáveis pela violência. Vários estudos demonstram que a desigualdade entre ricos e pobres causa criminalidade.
A vontade de criminalizar jovens infratores não tem embasamento. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1988, qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, deve ser responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. O ECA possui seis medidas socioeducativas para lidar com esses atos, entre elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. O Estatuto também aponta para que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.
A escolha por medidas socioeducativas e não apenas criminais possui finalidade pedagógica e psicológica. Crianças e adolescentes se encontram em um período crítico de desenvolvimento, em que suas personalidades estão se estruturando, por isso não podem ser julgadas e penalizadas como adultos.
Atitude Suspeita
No Brasil há tendência para a criminalização da juventude em vista da perseguição a possíveis criminosos. Institui-se a ideia de que jovens, em especial pobres e negros, podem tornar-se degenerados sociais, se segue a prática de prisões, pela polícia, sem processo judicial por motivos como “vadiagem”, “baderna”, “mendicância”, e apontando os jovens como “menores”, “vadios”, “desordeiros” e “perigosos”. Isso constitui o conceito de menoridade, influenciador de políticas públicas brasileiras, como os Códigos de Menores de 1927 e 1979.
“Na visão dos chamados juízes menoristas, para se garantir a ordem e a segurança nacional, esses “menores” precisavam ser encarcerados” (Mapa do Encarceramento, página 74.)
Violência
Segundo dados de 2012 do Ministério da Saúde, houve no mesmo ano, 56.337 vítimas de homicídio no Brasil. Mais da metade delas, 52,63%, eram jovens (27.471), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino. Já entre crianças e adolescentes, os homicídios cresceram 346% entre 1980 e 2010. Só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas. 24 crianças por dia.
Em contraposição a isso, os jovens são pouco responsáveis pela quantidade de crimes no Brasil. “Dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida”, aponta a Unicef do Brasil, citada em nota da ONU .
A Organização Mundial de Saúde aponta que no Brasil são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas não chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.
Encarceramento
O sistema prisional brasileiro se encontra falido. Entre 2005 e 2012 o número de presidiários no Brasil subiu 74%, segundo o Mapa do Encarceramento, lançado este ano. Segundo o mesmo documento, o número de presos jovens é muito maior que o de não jovens, sendo um total de 266.356 presos no primeiro grupo e no segundo, 214.037. Esse crescimento é mais impulsionado pela prisão de pessoas negras do que brancas.
Em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados (dados do Mapa do Encarceramento).
O Brasil possui a 3° maior população carcerária do mundo e possui 615.933 mil presos, enquanto o número de vagas não passa de 371.439 mil. Um déficit de 244 mil vagas. Só ficamos atrás, em número de presos, dos Estados Unidos (2,2 milhões) e da China (1,6 milhões).
O número de reincidência nestas prisões é de 70%, segundo números apurados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) atestando mais uma vez a ineficácia deste sistema.
Racismo
O Coletivo Negro Kimpa é contra a redução da maioridade penal. Os jovens que serão penalizados pela proposta são em sua maioria negros. No Brasil, a maior parte das vítimas de violência, da pobreza e também do encarceramento é negra. É evidente o recorte racial imposto pela seletividade penal e diferenças socias. Reduzir a maioridade penal coloca em uma situação ainda mais vulnerável os jovens brasileiros, em especial a nós, os jovens negros.
A medida, além de tudo não é embasada em dados, estatísticas ou em números, sendo que a bíblia é a fonte mais citada em sua formulação. Ao analisarmos as argumentações a favor, nos deparamos com discursos emocionados baseados no sentimento de vingança. Não há análises que subsidiem a proposta de redução da maioridade penal, o que demonstra quais são os verdadeiros interesses por trás dessa medida. O descaso com a vida de jovens negros e pobres é histórico no Brasil e a vontade de assassiná-los e encarcerá-los também. Não há como e nem porque compactuar com essa medida. Não podemos deixar passar.
Proteste!
A Anistia Internacional deflagrou campanha para envio de emails aos deputados federais. Basta preencher alguns dados e o email é enviado ao legislativo em Brasília, levantando a voz daqueles que são contra a redução. É fácil, rápido e efetivo. Segue o link:
A Anistia Internacional deflagrou campanha para envio de emails aos deputados federais. Basta preencher alguns dados e o email é enviado ao legislativo em Brasília, levantando a voz daqueles que são contra a redução. É fácil, rápido e efetivo. Segue o link:
“Ação Urgente: Brasil não deve deixar que adolescentes sejam julgados como adultos” - https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-brasil-nao-deve-deixar-que-adolescentes-sejam-julgados-como-adultos/
Fontes: