Archive for março 2015

Ondas de racismo continuam invadindo as Universidades

O Coletivo Negro Kimpa repudia os recentes casos de racismo acontecidos na Unifesp, na Universidade Federal da Bahia, na USP e na Unesp de Bauru e de Franca.

Aluna do curso de Direito da Unesp/Franca sofre há meses com violência psicológica por parte de seus colegas de campus. Tudo começou com uma denúncia feita pela garota nas portas de um banheiro e acabou se transformando em um pesadelo. Após o fato, Daiaria começou a ser chamada de "macaca" e "mentirosa", além de sofrer perseguição até mesmo nas redes sociais. Atualmente ela busca apoio do Coletivo Feminista da Unesp de Franca e pretende tomar as providências legais quanto ao caso.

Daiara é mais um exemplo de força e foco de resistência na universidade. É mulher e é preta. Sendo mulher e preta conhece de perto a tal solidão que tanto assombra a todas. A universidade - e toda sua branquitude - diariamente empurraram sobre Daiara o peso de ser quem ela é. Daiara é preta, universitária e luta por sua voz.

Já a Unifesp perdeu na última semana mais um aluno negro. Thiago fazia parte do movimento estudantil e cursava Filosofia. Seu suicídio entra para as estatísticas como o terceiro envolvendo negros dentro da Unifesp. Políticas higienistas contra estudantes pobres seriam um dos motivos que teriam levado Thiago e os outros companheiros a cometerem suicídio.

Há anos a Unifesp passa por uma "epidemia" depressiva. Baixos investimentos e descaso com a Instituição estão entre os possíveis fatores da mesma. Para os alunos negros a situação é ainda mais complicada já que além da falta de estrutura, lidam também com o racismo diário sofrido dentro do campus predominantemente branco.

Na Universidade Federal da Bahia, um boneco negro enforcado foi encontrado pendurado sobre as áreas comuns de convivência do campus. Os alunos envolvidos disseram não terem tido intenção discriminatória na produção e colocação do boneco - que reforça esteriótipos racistas. O Diretório de Estudantes de Arquitetura se responsabilizou pelo trote e se desculpou aos possíveis ofendidos, mas a sensação entre os alunos negros continua, obviamente, cada dia mais desconfortável.

A página do Spotted da Unesp Bauru não ficou de fora da onda racista e postou há poucos dias um recado direcionado a uma garota do campus que, segundo o dono da mensagem, "teria um cheiro exótico", relacionando também à questão racial e segregracionista onde uma garota negra mais um vez vira alvo de piadas por uma maioria branca opressora que compõe a Universidade.

Ressaltamos também o episódio recente de fotos que estão sendo circuladas no whatsapp por alunos do curso de Relações Públicas onde negros são expostos e viram motivos de piadas e memes.

As “brincadeiras” de cunho étnico/racial por parte da elite branca se estendem a outros campus da Unesp. Nos últimos dias, foram divulgadas fotos do trote organizado pela medicina da Unesp Botucatu. Os veteranos fantasiaram-se com roupas que fazem claras referências à Ku Klux Kan. Os futuros médicos brasileiros, por outro lado, dizem que se tratava de uma brincadeira, que a ideia não era disseminar o ódio racial. Imaginem agora alguém fantasiado de Hittler em qualquer situação. A elite branca judaico/cristã jamais aceitaria e entenderia como uma afronta, afinal, apesar de ter disseminado o ódio contra negros e negras, sua vítima mais difundida foram os judeus. A nossa dor, porém, não vale o mesmo.



Por fim, na FEA USP estudantes negros tentaram discutir a questão das cotas e sofreram tentativas de silenciamento pela maioria branca privilegiada que compunha a sala. Sem o apoio da professora e dos demais alunos, o grupo de estudantes negros manteve firme suas vozes e debateram até o final contra os que diziam "só quero ter aula". A intransigência da Instituição chega a ser absurda quando nem mesmo um grupo de alunos negros consegue ver legimitimada sua luta por espaço e suas vozes.

Atitudes deste cunho não podem ser toleradas. Por mais que se tentem passar esta imagem, racismo não é brincadeira. Um sistema de opressão que mata, agride, deslegitima e silencia uma classe inteira de pessoas não é brincadeira. Não nos calaremos, não esqueceremos e não passará.

Ciclo de Debates discute Branqueamento, Branquitude e Colorismo

por Julia Conceição

No último dia 20 de março, encerrou-se o ciclo de debates sobre Branqueamento, Branquitude e Colorismo promovido pelo “Coletivo Negro Kimpa”. O debate dividiu-se em três grandes temas: o "Negro de alma branca", “Na Raiz da Identidade”, e “Colorismo”, realizados nos dias 06, 19 e 20/03, respectivamente.

Relatos e discussões de dentro e fora da universidade demonstraram o silenciamento e o branqueamento imposto a negras e negros nos mais diversos espaços. Discutiu-se a solidão da mulher negra; o empoderamento; o caráter fenotípico do racismo à brasileira; o genocídio da população negra e pobre no Brasil; a desvalorização da estética negra e o número ínfimo de dessas pessoas no ambiente universitário.

O debate "“Na Raiz da Identidade” do dia 19/03, sobre estética e cabelo, contou com a presença das crianças do Projeto Formiguinha" (foto: Solon Neto)
Questão de Identidade Nacional

O histórico do racismo no Brasil elucida muitas questões debatidas no movimento negro. Após o fim da escravidão houve projetos políticos institucionais de extermínio da população preta do país. O pensamento racista da época teve o respaldo da religião e da ciência, sendo a última determinante, já que o século XIX foi marcado pela razão, expressada no meio científico.

Perpetuava-se como pensamento dominante a superioridade inata da raça branca em relação a todas as outras; não havia espaço no mundo europeu branco para negros, indígenas e etc. Para se adequar a esse modelo, o Brasil recorreu a medidas de branqueamento da população, na época composta por 55% de pessoas negras, agora libertas. Antes rechaçada, a miscigenação surgiu como solução; se havia uma superioridade nos genes brancos, seriam eles que prevaleceriam nas relações inter-raciais. Para que isso acontecesse, a imigração branca europeia igualou o número de escravos e escravas negros trazidos ao Brasil, seguindo a ideia de branqueamento. Acreditava-se que dessa forma a população seria branqueada em até 100 anos. Aliado isso, houve completa falta de políticas públicas de reinserção do negro na sociedade, exclusão moral, desumanização, confinamento psiquiátrico e encarceramento em massa, apoiados em teorias como a de Lombroso, que dizia que os traços negroides eram tidos como característicos de loucos e delinquentes.

A miscigenação não acabou com a população preta do Brasil, porém foi utilizada como argumento para silenciá-la e induzir ao "mito da democracia racial" que nasce com o único objetivo de favorecer e justificar a discriminação entre raças. Gilberto Freye em sua obra postula que a miscigenação ameniza as relações tensas entre opressores e oprimidos, que o cruzamento inter-racial apaga as contradições, harmoniza as diferenças e dilui conflitos. Ao postular a conciliação entre raças e suavizar o conflito, ele nega o preconceito e a discriminação: "O problema do preconceito fica a cargo de uns negros mais isolados e uns brancos mais agressivos". Ele abre assim precedentes para que se coloque no negro a culpa do racismo e fornece a elite branca os argumentos para que se defendam e continuem usufruindo dos seus privilégios.

Neste cenário a discriminação e o racismo agora "velados" trabalharam e trabalham para a manutenção de privilégios da brancura. Assassinam-se negros e negras pela violência policial, nos humilham ao deteriorar nossos corpos, atitudes e história, destroem nossa auto estima ao nos privar de representatividade e reforçar estereótipos degradantes ao nosso respeito, renegam espaços a nós, nos impedem de ascender socialmente, e por fim nos responsabilizam por tudo isso.

O branco e seu sistema, portanto, nunca serão os culpados. Este é sempre esquecido, ou pouco lembrado na manutenção do racismo. Sua omissão e roubo histórico das riquezas geradas pela escravidão são deixados de lado para que se culpabilize o negro por sua posição social.

Entendia-se que a cidade não foi hostil com o negro, mas que ele não possuía os atributos psicossociais requeridos para se inserir numa organização de sociedade horizontal, nem o comportamento de homem livre. Tais argumentos não se distinguem da realidade atual ao se debater cotas nas universidades. A meritocracia presente no discurso branco diz que as oportunidades de inserção no ensino superior são iguais, que basta apenas estudar para se alcançar a tão sonhada vaga, esquece-se neste debate as políticas de exclusão dos negros, após a escravidão, já citadas e a perpetração do sistema racista que vige até hoje, que assedia, desumaniza, destrói e mata todos os dias.

As crianças do Projeto Formiguinha aproveitaram o evento para entrevistar Sara Amaral, cabeleireira afro de Bauru. (foto: Solon Neto)

Branqueamento

Se embranquecer serve para ser aceito na sociedade. Florestan Fernandes, teórico que se dedicou a estudar o local do negro na sociedade de classes, além de diversas outras questões sobre racismo, aponta a existência dos negros mestiços, mais claros que possuem a "oportunidade" de tentar se inserir no "mundo dos brancos", o negro obediente, o negro que sobe, que foge a todos os estereótipos sobre a negritude. Ele fala também do Self-made man, o negro que se "acostuma" com o preconceito racial e molda sua vida a partir dele. Octavio Ianni, estudante de ciências sociais na USP, e que se dedicou a compreender as relações raciais no país, aponta que o negro e o mulato¹ querem se branquear a todo custo, pois eles querem ascender e integrar-se. O simples fato de se casar com pessoas mais claras já auxilia nesse processo, ter filhos mais claros já é motivo de orgulho.

Busca-se ocupações e vestimentas que facilitem a entrada no círculo de brancos. Branqueamento e ascensão social parecem sinônimos para os negros, já que a sociedade de classes construída no Brasil, realmente parece o "mundo dos brancos".

A vergonha em assumir o cabelo crespo e cacheado e o consequente alisamento, a tentativa de afinação de traços negros e clareamento da pele e a inibição em procurar conhecer as origens negras de histórias individuais são consequências deste embranquecimento forçado.

Não se podendo deixar de lado a criação de divisões no movimento negro, a tentativa de exclusão daqueles que possuem a pele mais clara já que possuem privilégios (colorismo) e a construção identitária confusa e dolorosa daqueles que pelo sistema branco são denominados "morenos", pois sofrem com o racismo sem que possam denominar a violência assim. Tais consequências estimulam a separação preta e sustentam o sistema de privilégios da brancura. Sendo a população branca dominante em praticamente todas as esferas políticas, econômicas e sociais, o medo de perder tais privilégios é gigantesco.

“Quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda”

Em resposta a todos esses dados assombrosos e alarmantes, nos organizamos, construímos a discussão e esperamos incomodar. Queremos que a Unesp escureça e que a ideologia da brancura não seja mais dominante. Buscamos empoderar o povo preto, lutar pelos nossos direitos e representatividade dentro e fora da universidade e para isso além de inúmeras ações práticas, ciclos de debates como o realizado são imprescindíveis. Como disse Bento (1992) em seus estudos "quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda". Queremos que o racismo pare de ser visto como problema única e exclusivamente do negro e passe a ser entendido como um problema gerado pelo Branqueamento e pela Branquitude. Somos nós que instruiremos a luta, mas não toleraremos apatia.

"Coletivo Negro Kimpa" promove debate sobre "Colorismo" na UNESP

No último dia 06, o ciclo de debates abordou o “Negro de Alma Branca”

O culto à brancura, ou a ideologia da branquitude afeta a percepção da própria cor nos brasileiros. Isso se aplica também aos brancos, que admitem o mesmo discurso em suas consciências e o projetam na população negra.

A mistura de raças no Brasil iniciou-se pela violência dos homens brancos contra as mulheres escravizadas, negras e indígenas. As populações mestiças então se multiplicaram e formaram o grosso de nossa sociedade.

O IBGE hoje classifica a população brasileira através de cinco grandes grupos raciais: brancos, pardos, negros, amarelos e indígenas. Nem sempre foi assim. Usada como base para estabelecer conceitos para a inclusão da categoria de raça no censo de 1980, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, de 1976, mostrou que a população brasileira “não branca” se identifica segundo uma escala de cores, com graus e tons. A pesquisa pinçou pelo menos 136 categorias diferentes “populações de cor”. O que denota confusão na percepção racial do brasileiro e, em parte, o sucesso do projeto ideológico de identidade nacional marcado pelo culto à brancura.


A heterogeneidade do povo negro é ignorada pela branquitude. A maioria negra no Brasil se dá ao colocarmos lado a lado negros e pardos. A esse fenômeno dá-se o nome de “Colorismo”. Nossa mídia, escolas, famílias costumes não nos preparam para esse debate. A conscientização racial da população é essencial para o fim do massacre.

Nesta sexta-feira, 20/03, às 17h, na sala de reuniões do Departamento de Comunicação Social da Unesp, o Coletivo Negro Kimpa promove debate sobre Colorismo, encerrando o primeiro ciclo de debates do grupo, “Branqueamento, Branquitude e Colorismo”.

Fundado em 2015, o Coletivo Kimpa reúne negros da comunidade universitária e promove reuniões abertas quinzenais no campus da Unesp. Outros temas estão previstos para serem debatidos ainda este semestre, como o mito da democracia racial, o femininismo negro e interseccional e a apropriação cultural. Venha participar conosco da construção de um futuro sem racismo.

Na raiz da identidade

Debate na UNESP, organizado pelo Coletivo Negro Kimpa, discute cabelo e estética sob a ótica negra


“Respeitem meus cabelos, brancos” é o que pedia Chico César. A hora de ser franco e debater padrões de beleza em uma sociedade branca e elitista é nessa quinta-feira, no campus da Unesp, na sala do Observatório de Educação em Direitos Humanos a partir das 17h.

A conversa promete ir além do que discutir se queremos colorir, assanhar, ou enrolar nossos cabelos. A proposta é refletir profundamente sobre as imposições sociais feitas às negras e aos negros com relação aos padrões de beleza. Por que, por exemplo, nosso cabelo é rotulado como “ruim” e o nosso nariz é “feio”.

Esse é o segundo evento organizado pelo Coletivo Negro Kimpa, que há duas semanas articulou uma reflexão sobre o culto à brancura na sociedade brasileira. Debates sobre aspectos da temática racial acontecerão duas vezes por mês, sempre abertos ao público.

Fundado em 2015, o Coletivo Kimpa reúne negros da comunidade universitária e promove quinzenalmente reuniões abertas ao público no campus da Unesp. Outros temas estão previstos para serem debatidos ainda este semestre, como o mito da democracia racial, o femininismo negro e interseccional e a apropriação cultural.

Somos o que somos, cores e valores

por Pedro Borges

Nós somos Julia e Agnes. Somos Tia Anastácia e Ivone Lara. Somos também Solon e Vinicius, assim como Martin Luther King jr. e Rubin Carter. Somos somente os 3% de alunos negros da Unesp Bauru, mas representamos todo um povo injustiçado.

Fomos sequestrados sem poder registrar a ocorrência. Levaram João e Andreza de Angola, assim como tentam tirar o samba, o rap, o blues, o soul e o funk de nós. Pensam, inclusive, que esquecemos do rock, também nosso. Tentam matar o samba e o tirar das mãos e dos pés de Felipe e Aline, mas não conseguem. Resistimos e continuamos fortes.

Vemos o futebol perecer, mas resistimos. O senhor de engenho quer a Europa, mas a nossa genialidade vem de Leônidas da Silva, da ginga de Garrincha e da imensurável habilidade de Marta. Endeusam Cristiano Ronaldo, mas sabem que a essência do futebol é Ronaldinho Gaúcho. E não só jogamos ou dançamos com beleza. Nossa cor e nosso cabelo são sim bonitos. Por isso, somos Sandra de Sá e Letícia, do mesmo modo que somos Tim Maia e Flávio.

(foto: Letícia de Maceno)
E se sentimos vergonha, somos os culpados por não gostarmos da nossa pele e do nosso cabelo. Riem de nós. E se assassinam Sabotage, Beatriz Nascimento ou Giovana, não sentem falta, vivem como se apenas mais um negro ou negra entrasse para as estatísticas do maior genocídio da história. Mas resistimos, porque somos Pedro e Naiara.

Mas somos mais, capitão do mato, traficante de escravos, ou Aécio Neves. Não somos apenas o futebol e o samba como querem que sejamos. Somos Carolina Maria de Jesus e somos Machado de Assis. Somos também a ciência no corpo e rosto de Kabengele Munanga e de Bell Hooks. Somos a arte, a sociologia e a cultura libertadora. Se alguém pode guiar a nossa sociedade em busca de um mundo sem opressão de classe, gênero ou cor, somos nós.

Mas se nos perdermos no caminho e não soubermos quem trama e quem drama conosco, temos Angela Davis e Malcom X para nos guiar. Por essa razão, clamamos: rebele-se, escravo brasileiro! Você é a maioria! Não tema os grilhões ou o chicote do senhor de engenho! Sabemos que a Casa Grande ainda existe. Sabemos porque Kimpa nos contou. E Kimpa não mente, ou erra.

Poder ao povo preto!