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Toda cor que houver nessa vida

por Giovana Amorim

O batom vermelho causava estranhamento. Era estranho porque diziam que não parecia combinar com o preto da pele, mas combinava. Revolucionário, achavam, assim como a mistura das estampas, a cor das etnias, a bandeira vermelha, preta e verde. Mas tudo isso: estranho. Estranho como questionar a caixa de lápis com a “cor de pele” que não era da nossa. E a nossa? Não respondem. A nossa não é permitida. O “degradê social”, que nos afasta das nossas tribos, raízes e irmãos é sempre a desculpa. Nossa cor é “queimadinho, marrom-bombom, café com leite”. É clara demais pra ser nossa, é escura demais para não ser. Balançando a cabeça negativamente, recusam nosso reconhecimento no espelho. Com as costas viradas riem da nossa solidão e com o dedo em riste tentam precisar o que precisamos.

A pele preta causa estranhamento. Não tanto estranhamento quanto o vermelho do sangue pobre na favela, o amarelo do ouro que comprou escravos e o branco do pó que mata no tráfico. Tentam colocá-la de lado, remediá-la, substituí-la. Embranquecer a nossa cor virou moda, tradição. O estupro do senhor de engenho sobre a negra na senzala coloriu de dor a solidão de suas filhas, a exclusão do universitário negro dos espaços que a ele pertencem pintam de descaso a sociedade, a apropriação da nossa cultura ancestral recolore de preconceito a elite. E, dos pés à cabeça, tentam nos descolorir.

Mas o sorriso aberto causa estranhamento. Somos mais que sua palheta de cores. As nossas cores se estendem pela mata fechada, pelos muros do morro e pelo corpo (des)coberto. Contrariando a normatividade não negra, a nossa cor pinta a música, desenha o texto, traceja a imagem. Das mãos e pés pretos vieram arte, moda, ciência, política. Da voz e do pensamento negros veio a resistência contra a humilhação, o racismo, a violência. Da nossa cor veio a luta. E a cor da nossa luta não pode e não será apagada.