Archive for 2015

Pixações da suástica nazista aparecem no campus da Unesp de Bauru

Conservadorismo e intolerância ganham força no campus, seja por meio do pronunciamento de professores, seja por novas pixações.

      
   As pichações racistas encontradas recentemente no câmpus de Bauru da Unesp deixaram espaço em branco para que mais símbolos de ódio fossem escritos. Depois das ofensas “a Unesp está cheia de macacos”, “as mulheres negras fedem” e “Juarez macaco”, nessa semana encontramos desenhos da suástica nazista no mesmo banheiro e por cima de cartazes contra o racismo. Covardemente, o crime se alastra e mostra que os racistas estão tomando posição, mas sem a coragem de aparecer. A atitude de levantar o fascismo - regime que matou milhões de pessoas - na atual conjuntura mostra que o ódio vai além do absurdo.

       A utilização sistemática da liberdade de expressão como princípio inquestionável tem possibilitado, no contexto político brasileiro, a exposição de atitudes conservadoras, racistas e até mesmo nazistas. Recentemente, o professor universitário João Eduardo Hidalgo aproveitou-se de forma lamentável da oportunidade para manifestar-se no Jornal da Cidade. Indignação essa que não foi motivada pelo crime de racismo, mas pela pouca importância que ganharam as “ofensas” recebidas por ele no ano de 2011, quando estudantes criticaram sua má conduta pedagógica. O absurdo aparece ao comparar a ofensa que sentiu ao ser chamado de “coxa” com as inscrições racistas que diziam “Juarez macaco”, ignorando o fato de que o mecanismo de animalização sobre as pessoas negras funciona, entre outras coisas, como uma forma de desvalorizar suas vidas. Afinal, se são apenas animais, por que se importar com eles?

Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que, no Brasil, a cada três vítimas de assassinato, duas eram negras - ou seja, 70% dos homicídios. Um estudo da UFSC em 2014 mostra que o preconceito causa 4,4 vezes mais problemas psicológicos e doenças como a depressão, dificuldade de concentração e ansiedade em quem sofre com ele. Em 2011 a pesquisadora da Fiocruz, Maria do Carmo Leal, mostrou que 50% das gestantes negras recebiam menos anestesia durante o parto em relação às brancas. 73% da população mais pobre é negra. Em 2013, 61% das mulheres mortas por feminicídio eram negras. Segundo a Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República, o jovem negro tem 2,5 vezes mais chance de ser morto, representando hoje 77% das vítimas.

Se não bastam esses dados vergonhosos, existem outros. No campus de Bauru, as negras e negros são apenas 3% dos universitários. Entre os funcionários e funcionárias terceirizados, as mulheres negras ocupam os cargos que menos recebem e mais sofrem: além de limpar os banheiros para que os brancos sujem, foram obrigadas a ler e retirar das paredes o que os machistas covardes escreveram. “Negras fedem”. A mulher preta não conseguiria em uma vida processar todos aqueles que a humilharam, abandonaram e violentaram de incontáveis maneiras.

As crescentes demonstrações racistas e de ódio indicam que nosso trabalho enquanto coletivo negro e autônomo tem incomodado. E assim seguiremos, para que nossas irmãs e nossos irmãos enegreçam esse espaço. Frente às novas manifestações de ódio racial, o Coletivo Negro Kimpa reitera a sua posição. Nenhum passo atrás perante o racismo e qualquer outra intolerância. É inocência acreditar que negras e negros deixarão de lutar devido a tais manifestações.

O crime cometido está sendo investigado e a resistência negra não baixará diante dele. O incômodo causado pela presença dos três por cento será cada vez maior, principalmente pela implementação das cotas raciais. Se a universidade e seus professores insistem em negligenciar a permanência dos negros e negras no ambiente público, a resistência lutará por ampliá-la e para isso o debate é cada vez mais necessário. No dia 19 desse mês, o Kimpa realizará um evento na UNESP para discutir o ocorrido no campus e na vida da população negra, trazendo para o debate os funcionários, o professor Juarez, representantes do hip hop e da comunidade negra de Bauru. Nosso ciclo de discussões continua, agora com a temática sobre o mito da democracia racial - essa que proporciona aos racistas de calças baixas a caneta na mão e o comentário na web. Esse escritos serão apagados e o mito será desmanchado. 
Desde já, com tinta negra, anunciamos: Poder ao povo preto!

Branco e... branco

Por: Caê Oliveira


É assustador pensar
que em pleno século 2015
ainda tem senhor de engenho na tv
ainda tem senhor de engenho no poder
e ate mesmo nos muros da faculdade
                                           
Como se não bastasse
somos rodeados de capatazes
professores, alunos, amigos
que  agem feito papagaios
e nos aprisionam em invisíveis grades

Funciona
eu me sinto preso
como um peixe no aquário
forçado a escutar

Isso é tudo uma democracia racial
foi se o tempo em que não era igual
não existem mais correntes que te prendem
você que não se esforça pra vencer

Acontece meu bom homem
que o fato do vidro ser transparente
não indica que ele não exista
atualizaram as minhas correntes
e não vemos o mesmo com as mentes
que comandam esse lugar

Afinal, quantos de nós precisam sofrer?
quantos de nós precisam morrer
pra ver você sorrir
usando a sua maçã
enquanto alguns só queriam
uma pra comer?

A coisa ta feia
não ta preta ainda
mas se depender de mim
vai ficar
Tudo vai
e cada barão vai ter que conviver
com a onda negra que vem por ai
pra impregnar cada pedacinho de algodão

Nunca houve tempo em que o mundo foi como a tv
Branco e branco
é hora de atualizar
e ver que ele é mais colorido
do que você se permite ver
é hora de atualizar
ver que somos iguais
mas que ninguém conseguiu enxergar isso ainda
afinal se fosse tão evidente
por que um tratamento tão diferente?

Enquanto vocês morrem no vídeo game
Nós apenas morremos
E estamos cansados disso

Estamos cansados de sofrer
Estamos cansados de morrer
Não queremos mais passar frio
Que chegue logo o dia
Em que esse ideal que tanto pregam
Se torne real

Por enquanto
De democracia não temos nada
Mas de racial...

Chega dessa estratégia
Dessa psicologia pra nos acomodar, aprisionar
Fazer com que aceitemos
Chega desse mundo de brancos
para brancos e pelos brancos
não, a coisa não ta preta

Mas vai ficar.

Carta de Repúdio às pichações racistas na UNESP Bauru

Por: Coletivo Negro Kimpa

Pichações encontradas em banheiro do campus da unesp ao lado do Departamento de Comunicação Social, em que trabalha o professor Juarez. Foto: JCNET Segunda-feira, dia 27 de julho de 2015


Na semana passada,  um ato de extremo ódio racial no campus de Bauru da Unesp nos fez refletir e produzir esta nota.


Não falamos sobre os olhares desconfiados, nem sobre a nossa objetificação, muito menos sobre a apropriação cultural. A essas formas de violência, cruéis e desgastantes, nós, como pretas e pretos brasileiros, estamos acostumados a enfrentar.


Triste, mas verdadeiro.


Na semana passada vimos um mito ser colocado em cheque. Os ensinamentos da democracia racial não foram seguidos. Esqueceram que é neste país onde as raças convivem em harmonia. Deixaram de lado o suposto amor incondicional entre as pessoas pretas e brancas. Não se recordaram que  a grande marca de nossas terras é a miscigenação, fruto da união dos povos.


Racismo? Aqui não! Só nos EUA ou na África da Sul.


Pois bem.


Escritos de extrema violência e covardia foram feitos nos banheiros em frente ao Departamento de Comunicação Social, DCSO, e ao Departamento de Ciências Humanas, DCHU, da Unesp campus de Bauru.


“Unesp cheia de macacos fedidos”, “macaco fedido”, “negras fedem”, “as negras da unesp”, “Juarez macaco”. Mais do que tudo isso, ao final, o agressor ainda nos questionou. “O que vai fazer? Um coletivo”.


A resposta para o burro e ignorante questionamento desse racista é simples. Não faremos um coletivo. O Coletivo Negro Kimpa já existe e uma das nossas razões é essa, trazer à tona atos racistas como esses e destruir o mito da democracia racial.


Ações de puro ódio apenas afirmam a importância de grupos como o Kimpa e o Abre-Alas, coletivo feminista do campus, afinal, muitas das ofensas se dirigiram de modo contundente às mulheres negras. O grupo mais vulnerável da sociedade brasileira.


Ressaltamos também o fortalecimento do NUPE, Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão, grupo coordenado pelo brilhante professor e grande militante Juarez Xavier. O NUPE é um espaço de produção de conhecimento sobre a questão étnico/racial no país e uma grande ferramenta de emporaderamento para que negras e negros entendam os mecanismos do racismo no Brasil e possam assim combatê-lo.


Não era possível, porém, esperar algo muito diferente da comunidade unespiana. A universidade aceitou a política de cotas, mas não promoveu nenhum debate sobre a questão étnico/racial de modo incisivo, muito menos pensou em políticas para essa população negra que compõe o grupo de estudantes, funcionários e professores da Unesp. E a tendência é que esses casos só venham a aparecer com mais força. A maior presença de negras e negros na universidade, espaço historicamente destinado à branquitude, gera incômodo. Desconforto tão grande que vem, inclusive, destruindo a democracia racial do Brasil.


Ofensas como essas não nos farão recuar. Tudo será arquivado, assim como as medidas legais serão tomadas. Racismo é crime e o que foi feito está sob investigação. Por meio do NUPE, abriremos uma sindicância interna para apurar o caso.


Por último, gostaríamos de ressaltar a covardia da atitude. Ofender a comunidade negra com escritos em cabines fechadas é a maior demonstração possível de medo. Sim, a Unesp vai ficar preta. E se você está incomodado, é porque nosso trabalho está sendo bem feito. Pode nos atacar, xingar, ofender. Não vamos recuar. Nem um centímetro. Estamos prontos para o enfrentamento em todas as esferas.


Poder ao povo preto!

Coletivo Negro Kimpa

Mano do Livramento

A conhecida história de um menino desconhecido

Por: Giddeão Gasparini

                Pelas vielas do morro do Livramento corria e crescia Mano, carregando o nome do lugar como sobrenome já que o do pai não tinha.  Sua mãe, Maria, foi expulsa de casa e se refugiou numa pensão que  pagava com favores, dormindo entre os animais para poder gerar seu guri. Cheia de dores e imunda, deu à luz a mais uma criança que haveria de enfrentar o mundo sombrio à sua volta. Sem condições de sair da pensão foi amparada por Madalena, uma outra que também morava de favor e dormia entre Animais.

                Sujo e chorão, nasceu com cara de fome e sua mãe notou que tinha sequer pensado num nome para lhe dar. Na verdade havia pensado em Jesus todo esse tempo, mas crente no seu pastor, achou que seria blasfêmia chamar um preto como seu rebento pelo mesmo nome de seu Cristo loiro do olho azul.

                Madalena, moça da vida, sugeriu Emanuel, nome do nosso senhor e do padeiro, dizia ela. Talvez ele crescesse e se tornasse gente, dono de algo, e assim poderia trazer pão para o povo. Emanuel ficou e Madalena se tornou sua madrinha, pois havia se apegado ao menino e à menina. Foram então convidados a se mudarem para o Livramento. Havia rumores que os soldados do Estado subiriam a favela em que estavam e as coisas costumavam ficar feias para os inocentes.

                Já crescido e desmamado, Maria não aceitava viver às custas da amiga. Deixou o menino ser criado pelo Morro enquanto batalhava para não morrer de fome. Tornou-se faxineira, varrendo e descobrindo sujeiras embaixo do tapete da família direita que custava a pagar o que lhe era de direito, numa casa onde parecia jorrar vinho, enquanto na sua mal tinha água.  O suado salário que ganhava, usava para comprar a comida insosa com preço salgado para seu guri.

                Com cicatrizes do passado e carregando a cruz da fome, buscava amparo em Deus, mesmo que isso lhe custasse uma décima parte do seu pouco dinheiro. Mano que sempre a acompanhava cresceu ouvindo sobre um salvador que não parecia em nada com os heróis que via na TV, exceto pela sua cor. Como alguém podia ser um salvador se a única promessa que trazia era dor? Com o tempo assimilou que falavam do tal Governador.

                Na idade de estudar, com muito trabalho foi para a escola. Algumas sílabas conseguia juntar, mas só ia até ali, já que juntar sua mente com a da fessora era mais complicado do que matemática, à qual a divisão não batia: uma pra 40 neguinho.  Foi passado de ano arrastado da mesma maneira que arrastava o chinelo de manhã no caminho. Já adolescente, com pouco trabalho largou a escola.

                A mãe havia perdido o emprego depois dos patrões sentirem falta de algo na casa, talvez o motivo para demiti-la. Madalena não morava mais com eles, pois o pastor dizia que não era certo dividir o teto com alguém como ela. Mano não entendia. O que tinha de errado em morar com alguém que dava carinho para eles e ainda trazia comida para casa? Com Maria desolada e sem Madrinha para consolá-la, a responsabilidade da casa recaía sobre seus ombros juvenis.

                Saía cedo de casa e passava o dia no farol, perdido num mar sem rumo enquanto via passar rapidamente os carros e sua infância. Na sua frente, enxergava apenas o sinal vermelho, sendo atropelado pelos problemas que uma criança não deveria conhecer. À noite chegava suado, mas carregando uma ou duas sacolas, cumprindo a sina que lhe foi dada com o nome. Carente da sua meninice, deitava no colo de sua mãe enquanto a ninava. Mas antes que ela acordasse, já tinha voltado a ganhar a vida. 

                E pelas vielas do morro do Livramento corria Mano numa dessas manhãs em que o mundo está frio, mas não permite manha. Lá estava o garoto já com responsabilidade de homem e alma de menino a correr para ganhar a vida. Naquele dia o tal Governador que tanto ouvira falar tinha cumprido sua promessa e veio ao encontro dos necessitados, mas a sua frente vinha um bando de cachorros armados a ladrar sem parar. Assustado se meteu por entre os vãos dos barracos perdido sem rumo. Só parou ao ver o final de um beco e encontrando uma bala que também se perdera.


                Escorria pelos tijolos o sangue do menino, como o reboco que faltava naquela parede. Escorria para o chão o corpo inerte do guri que achavam ser ladrão. Escorria as lágrimas de Maria ao ser obrigada a ver na TV justificativas de juízes sem magistrado para a morte do seu menino. Escorria pelo ralo a esperança do Livramento ao ver mais um de seus filhos crucificado. 

Poema : Mandamentos da negação (I)


Agnes Sofia Guimarães

Quais regras quebraria
Se, depois das rodas,
Risos, nossos olhos,
Eu alcançasse seus lábios?

Se eu dissesse que a pele dela
Não é enluarada
E no meu tecido
Não há manchas de carvão?

E qual é o crime ao denunciar,
Com afeto e mil orgulhos,
A cem infrações
do meu desejo?

Eis as provas, sem remorsos:
Luzes,
Estalos,
Cacos de vidros,
Tudo e nada ignorado.

Diga a sentença, eu suplico.
Vou pagá-la com prazer;
Quero minhas brasas em comunhão,
Da senzala para o seu altar.

Nunca há juras:
Não as peço.
Nunca há carinho:
Não a espero.

Nunca, e há nuca
Encontrada no seu engano
Das ondas fáceis do afeto.
O que resta é imensidão,
Imensidão dos retalhos.
Nos seus dedos, minha nuca.

Diga a sentença,vai:
Livre, vou pagá-la.
Livre das suas mãos,
Mordaças do meu grito,
Guardiãs da sua vergonha.

Diga a sentença, vai:
Livre, quero clamar minha loucura.
Efusiva, quero expor seus olhos
Que engoliram suas palavras.

Aquelas que guardou para ela,
Ela que brilha tanto quanto estrelas,
Já mortas.
Não se preocupe, pois:
Há vida nas minhas lágrimas,
Pérolas que furtei do seu medo.

Pobre de você, espada partida.
Eu fiz hóstias da sua negação,
Uma prece a minha liberdade:
A exposição do nosso idílio.

Diga a sentença, vai.

Contra a redução da maioridade penal!

Contra a redução da maioridade penal!
Câmara dos deputados vota proposta amanhã, Coletivo Negro Kimpa é contra

por Julia Conceição e Solon Neto

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Imagem: Ike Bittencourt

Amanhã, dia 30/06/2015, a câmara dos deputados, presidida  por Eduardo Cunha (PMDB), levará à votação a proposta de redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Caso passe pela votação aberta dos 513 deputados federais, a proposta seguirá para o Senado, instância em que, se aprovada, influenciará o destino de milhões de jovens brasileiros, em especial de jovens negros.

O debate público sobre a redução tem sido controverso e capitaneado por uma Imprensa que pouco discute os detalhes e consequências dessa medida.  Pouco se fala do super encarceramento brasileiro, que põe 600 mil pessoas atrás das grades em situação precária; da seletividade penal que escolhe jovens e negros como vítimas principais; das desigualdades raciais e da situação alarmante vivida pelo jovem no Brasil, que corresponde a mais da metade de todos os homicídios registrados em solo nacional, dos quais 77% são contra negros; ou mesmo o fato de que a redução não diminuiu a violência em nenhum país que tenha aplicado a medida anteriormente.

O menor de idade no Brasil já é responsabilizado por eventuais crimes

Não é preciso ir muito longe para perceber que a motivação de crimes cometidos por jovens no Brasil passa pela negligência social. Ou seja, a desigualdade e a miséria são também responsáveis pela violência. Vários estudos demonstram que a desigualdade entre ricos e pobres causa criminalidade.

A vontade de criminalizar jovens infratores não tem embasamento. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1988, qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, deve ser responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. O ECA possui seis medidas socioeducativas para lidar com esses atos, entre elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. O Estatuto também aponta para que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

A escolha por medidas socioeducativas e não apenas criminais possui finalidade pedagógica e psicológica. Crianças e adolescentes se encontram em um período crítico de desenvolvimento, em que suas personalidades estão se estruturando, por isso não podem ser julgadas e penalizadas como adultos.

Atitude Suspeita

No Brasil há tendência para a criminalização da juventude em vista da perseguição a possíveis criminosos. Institui-se a ideia de que jovens, em especial pobres e negros, podem tornar-se degenerados sociais, se segue a prática de prisões, pela polícia, sem processo judicial por motivos como “vadiagem”, “baderna”, “mendicância”, e apontando os jovens como “menores”, “vadios”, “desordeiros” e “perigosos”. Isso constitui o conceito de menoridade, influenciador de políticas públicas brasileiras, como os Códigos de Menores de 1927 e 1979.

“Na visão dos chamados juízes menoristas, para se garantir a ordem e a segurança nacional, esses “menores” precisavam ser encarcerados” (Mapa do Encarceramento, página 74.)

Violência

Segundo dados de 2012 do Ministério da Saúde, houve no mesmo ano, 56.337 vítimas de homicídio no Brasil. Mais da metade delas, 52,63%, eram jovens (27.471), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino. Já entre crianças e adolescentes, os homicídios cresceram 346% entre 1980 e 2010. Só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas. 24 crianças por dia.

Em contraposição a isso, os jovens são pouco responsáveis pela quantidade de crimes no Brasil. “Dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida”, aponta a Unicef do Brasil, citada em nota da ONU .

A Organização Mundial de Saúde aponta que no Brasil são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas não chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

Encarceramento

O sistema prisional brasileiro se encontra falido. Entre 2005 e 2012 o número de presidiários no Brasil subiu 74%, segundo o Mapa do Encarceramento, lançado este ano.  Segundo o mesmo documento, o número de presos jovens é muito maior que o de não jovens, sendo um total de 266.356 presos no primeiro grupo e no segundo, 214.037. Esse crescimento é mais impulsionado pela prisão de pessoas negras do que brancas.

Em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados (dados do Mapa do Encarceramento).

O Brasil possui a 3° maior população carcerária do mundo e possui 615.933 mil presos, enquanto o número de vagas não passa de 371.439 mil. Um déficit de 244 mil vagas. Só ficamos atrás, em número de presos, dos Estados Unidos (2,2 milhões) e da China (1,6 milhões).

O número de reincidência nestas prisões é de 70%, segundo números apurados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) atestando mais uma vez a ineficácia deste sistema.

Racismo

O Coletivo Negro Kimpa é contra a redução da maioridade penal. Os jovens que serão penalizados pela proposta são em sua maioria negros. No Brasil, a maior parte das vítimas de violência, da pobreza e também do encarceramento é negra. É evidente o recorte racial imposto pela seletividade penal e diferenças socias. Reduzir a maioridade penal coloca em uma situação ainda mais vulnerável os jovens brasileiros, em especial a nós, os jovens negros.

A medida, além de tudo não é embasada em dados, estatísticas ou em números, sendo que a bíblia é a fonte mais citada em sua formulação. Ao analisarmos as argumentações a favor, nos deparamos com discursos emocionados baseados no sentimento de vingança. Não há análises que subsidiem a proposta de redução da maioridade penal, o que demonstra quais são os verdadeiros interesses por trás dessa medida. O descaso com a vida de jovens negros e pobres é histórico no Brasil e a vontade de assassiná-los e encarcerá-los também. Não há como e nem porque compactuar com essa medida. Não podemos deixar passar.

Proteste!

A Anistia Internacional deflagrou campanha para envio de emails aos deputados federais. Basta preencher alguns dados e o email é enviado ao legislativo em Brasília, levantando a voz daqueles que são contra a redução. É fácil, rápido e efetivo. Segue o link:

“Ação Urgente: Brasil não deve deixar que adolescentes sejam julgados como adultos” - https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-brasil-nao-deve-deixar-que-adolescentes-sejam-julgados-como-adultos/

Fontes:

Estudantes negros da UNESP se articulam em evento de reestruturação do NUPE

Reunião em Bauru levanta necessidade de organizações de negras e negros na universidade para pesquisa, extensão e fortalecimento político


Por: Julia Conceição e Solon Neto

Reunidos: Coletivo Abisogun, de Araraquara, Coletivo Negro Kimpa, de Bauru e Núcleo Negro Ibilce, de São José do Rio Preto (FOTO: http://almapreta.com/ )

O NUPE é o Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão. O Núcleo existe desde 2003, regulamentado a partir da resolução UNESP número 43/2012. O Núcleo é formado por uma coordenação científica, coordenação geral, grupos de trabalho locais e um Conselho Superior.
A participação discente se dá no Conselho Superior, que tem como função:
I - Deliberar sobre todas as questões de interesse estratégico do NUPE;
II - Aprovar proposta de alteração deste Regulamento, para submetê-la à deliberação da PROEX.

A I Conferência do NUPE reuniu estudantes, pesquisadores e ativistas da causa negra no campus de Bauru, nos últimos dias 19 e 20 de Junho. Os dois dias de atividade tiveram por foco a reestruturação do núcleo e a indicação de representantes para a coordenação e conselho superior.
Ao final dos dois dias de debate, foram escolhidos como representantes:

Coordenação Geral: Juarez de Paula Tadeu Xavier - Bauru
Vice-Coordenação Geral: Sebastião Souza Lemes - Araraquara
Coordenação Científica: Ana Bia Pereira de Andrade - Bauru
Conselho Superior (Discente):  Solon Barbosa Veloso Neto - Bauru


O NUPE é importante para o desenvolvimento de atividades nos campi que visem a pesquisa e a extensão em torno da temática da negritude. Com a política de cotas adotada pela universidade, institui-se uma demanda por uma ambiência e política de recepção a esses alunos e alunas que ainda não existe. São poucos os professores e pesquisadores negros na universidade, e devemos lutar por esse espaço. O Núcleo também formará Grupos de Trabalho sobre pesquisa e extensão na temática nos campi. Todos os interessados podem formar seus grupos e apontar um supervisor, que fará parte do Conselho Superior. O NUPE está colhendo interessados na formação e supervisão desses grupos, os coletivos podem cooperar nesse sentido.

Forme seu coletivo! - Organizações Estudantis Negras da UNESP se reúnem e buscam articulação

O Núcleo está em fase de estruturação e levará algum tempo para que as atividades se efetivem, o que não nos impede, como estudantes, de adiantar nossos passos.
Há vários coletivos e organizações negras estudantis na UNESP, que têm trabalhado em prol da realização de debates e criação de um ambiente favorável para a discussão da temática racial dentro da universidade, ampliando o espaço para negras e negros.
Durante a I Conferência do NUPE, três dessas organizações se encontraram. O Coletivo Abisogun, de Araraquara, o Coletivo Negro Kimpa, de Bauru, e o Núcleo Negro do Ibilce, de São José do Rio Preto.
Essas organizações optaram por se articular em conjunto, com o objetivo de ampliar nossa luta para outros campi. Após longas discussões sobre a representatividade neste espaço, os participantes do evento apontaram pela necessidade de uma cadeira para funcionários e estudantes da pós graduação e graduação, pensando a longo prazo para que se consiga uma cadeira para discentes de todos os campis da UNESP.
Tais propostas deverão ser debatidas nas próximas reuniões do Núcleo. A formação de Coletivos é o que dará o suporte para uma boa representação estudantil e política do negro na UNESP.
Caso seu campi ainda não tenha uma organização de negros e negras, você pode constituí-la. A experiência de outras organizações da mesma natureza na UNESP estará a disposição, e o apoio necessário será dado.

Negros e negras da UNESP, uni-vos!

Toda cor que houver nessa vida

por Giovana Amorim

O batom vermelho causava estranhamento. Era estranho porque diziam que não parecia combinar com o preto da pele, mas combinava. Revolucionário, achavam, assim como a mistura das estampas, a cor das etnias, a bandeira vermelha, preta e verde. Mas tudo isso: estranho. Estranho como questionar a caixa de lápis com a “cor de pele” que não era da nossa. E a nossa? Não respondem. A nossa não é permitida. O “degradê social”, que nos afasta das nossas tribos, raízes e irmãos é sempre a desculpa. Nossa cor é “queimadinho, marrom-bombom, café com leite”. É clara demais pra ser nossa, é escura demais para não ser. Balançando a cabeça negativamente, recusam nosso reconhecimento no espelho. Com as costas viradas riem da nossa solidão e com o dedo em riste tentam precisar o que precisamos.

A pele preta causa estranhamento. Não tanto estranhamento quanto o vermelho do sangue pobre na favela, o amarelo do ouro que comprou escravos e o branco do pó que mata no tráfico. Tentam colocá-la de lado, remediá-la, substituí-la. Embranquecer a nossa cor virou moda, tradição. O estupro do senhor de engenho sobre a negra na senzala coloriu de dor a solidão de suas filhas, a exclusão do universitário negro dos espaços que a ele pertencem pintam de descaso a sociedade, a apropriação da nossa cultura ancestral recolore de preconceito a elite. E, dos pés à cabeça, tentam nos descolorir.

Mas o sorriso aberto causa estranhamento. Somos mais que sua palheta de cores. As nossas cores se estendem pela mata fechada, pelos muros do morro e pelo corpo (des)coberto. Contrariando a normatividade não negra, a nossa cor pinta a música, desenha o texto, traceja a imagem. Das mãos e pés pretos vieram arte, moda, ciência, política. Da voz e do pensamento negros veio a resistência contra a humilhação, o racismo, a violência. Da nossa cor veio a luta. E a cor da nossa luta não pode e não será apagada.

Ondas de racismo continuam invadindo as Universidades

O Coletivo Negro Kimpa repudia os recentes casos de racismo acontecidos na Unifesp, na Universidade Federal da Bahia, na USP e na Unesp de Bauru e de Franca.

Aluna do curso de Direito da Unesp/Franca sofre há meses com violência psicológica por parte de seus colegas de campus. Tudo começou com uma denúncia feita pela garota nas portas de um banheiro e acabou se transformando em um pesadelo. Após o fato, Daiaria começou a ser chamada de "macaca" e "mentirosa", além de sofrer perseguição até mesmo nas redes sociais. Atualmente ela busca apoio do Coletivo Feminista da Unesp de Franca e pretende tomar as providências legais quanto ao caso.

Daiara é mais um exemplo de força e foco de resistência na universidade. É mulher e é preta. Sendo mulher e preta conhece de perto a tal solidão que tanto assombra a todas. A universidade - e toda sua branquitude - diariamente empurraram sobre Daiara o peso de ser quem ela é. Daiara é preta, universitária e luta por sua voz.

Já a Unifesp perdeu na última semana mais um aluno negro. Thiago fazia parte do movimento estudantil e cursava Filosofia. Seu suicídio entra para as estatísticas como o terceiro envolvendo negros dentro da Unifesp. Políticas higienistas contra estudantes pobres seriam um dos motivos que teriam levado Thiago e os outros companheiros a cometerem suicídio.

Há anos a Unifesp passa por uma "epidemia" depressiva. Baixos investimentos e descaso com a Instituição estão entre os possíveis fatores da mesma. Para os alunos negros a situação é ainda mais complicada já que além da falta de estrutura, lidam também com o racismo diário sofrido dentro do campus predominantemente branco.

Na Universidade Federal da Bahia, um boneco negro enforcado foi encontrado pendurado sobre as áreas comuns de convivência do campus. Os alunos envolvidos disseram não terem tido intenção discriminatória na produção e colocação do boneco - que reforça esteriótipos racistas. O Diretório de Estudantes de Arquitetura se responsabilizou pelo trote e se desculpou aos possíveis ofendidos, mas a sensação entre os alunos negros continua, obviamente, cada dia mais desconfortável.

A página do Spotted da Unesp Bauru não ficou de fora da onda racista e postou há poucos dias um recado direcionado a uma garota do campus que, segundo o dono da mensagem, "teria um cheiro exótico", relacionando também à questão racial e segregracionista onde uma garota negra mais um vez vira alvo de piadas por uma maioria branca opressora que compõe a Universidade.

Ressaltamos também o episódio recente de fotos que estão sendo circuladas no whatsapp por alunos do curso de Relações Públicas onde negros são expostos e viram motivos de piadas e memes.

As “brincadeiras” de cunho étnico/racial por parte da elite branca se estendem a outros campus da Unesp. Nos últimos dias, foram divulgadas fotos do trote organizado pela medicina da Unesp Botucatu. Os veteranos fantasiaram-se com roupas que fazem claras referências à Ku Klux Kan. Os futuros médicos brasileiros, por outro lado, dizem que se tratava de uma brincadeira, que a ideia não era disseminar o ódio racial. Imaginem agora alguém fantasiado de Hittler em qualquer situação. A elite branca judaico/cristã jamais aceitaria e entenderia como uma afronta, afinal, apesar de ter disseminado o ódio contra negros e negras, sua vítima mais difundida foram os judeus. A nossa dor, porém, não vale o mesmo.



Por fim, na FEA USP estudantes negros tentaram discutir a questão das cotas e sofreram tentativas de silenciamento pela maioria branca privilegiada que compunha a sala. Sem o apoio da professora e dos demais alunos, o grupo de estudantes negros manteve firme suas vozes e debateram até o final contra os que diziam "só quero ter aula". A intransigência da Instituição chega a ser absurda quando nem mesmo um grupo de alunos negros consegue ver legimitimada sua luta por espaço e suas vozes.

Atitudes deste cunho não podem ser toleradas. Por mais que se tentem passar esta imagem, racismo não é brincadeira. Um sistema de opressão que mata, agride, deslegitima e silencia uma classe inteira de pessoas não é brincadeira. Não nos calaremos, não esqueceremos e não passará.

Ciclo de Debates discute Branqueamento, Branquitude e Colorismo

por Julia Conceição

No último dia 20 de março, encerrou-se o ciclo de debates sobre Branqueamento, Branquitude e Colorismo promovido pelo “Coletivo Negro Kimpa”. O debate dividiu-se em três grandes temas: o "Negro de alma branca", “Na Raiz da Identidade”, e “Colorismo”, realizados nos dias 06, 19 e 20/03, respectivamente.

Relatos e discussões de dentro e fora da universidade demonstraram o silenciamento e o branqueamento imposto a negras e negros nos mais diversos espaços. Discutiu-se a solidão da mulher negra; o empoderamento; o caráter fenotípico do racismo à brasileira; o genocídio da população negra e pobre no Brasil; a desvalorização da estética negra e o número ínfimo de dessas pessoas no ambiente universitário.

O debate "“Na Raiz da Identidade” do dia 19/03, sobre estética e cabelo, contou com a presença das crianças do Projeto Formiguinha" (foto: Solon Neto)
Questão de Identidade Nacional

O histórico do racismo no Brasil elucida muitas questões debatidas no movimento negro. Após o fim da escravidão houve projetos políticos institucionais de extermínio da população preta do país. O pensamento racista da época teve o respaldo da religião e da ciência, sendo a última determinante, já que o século XIX foi marcado pela razão, expressada no meio científico.

Perpetuava-se como pensamento dominante a superioridade inata da raça branca em relação a todas as outras; não havia espaço no mundo europeu branco para negros, indígenas e etc. Para se adequar a esse modelo, o Brasil recorreu a medidas de branqueamento da população, na época composta por 55% de pessoas negras, agora libertas. Antes rechaçada, a miscigenação surgiu como solução; se havia uma superioridade nos genes brancos, seriam eles que prevaleceriam nas relações inter-raciais. Para que isso acontecesse, a imigração branca europeia igualou o número de escravos e escravas negros trazidos ao Brasil, seguindo a ideia de branqueamento. Acreditava-se que dessa forma a população seria branqueada em até 100 anos. Aliado isso, houve completa falta de políticas públicas de reinserção do negro na sociedade, exclusão moral, desumanização, confinamento psiquiátrico e encarceramento em massa, apoiados em teorias como a de Lombroso, que dizia que os traços negroides eram tidos como característicos de loucos e delinquentes.

A miscigenação não acabou com a população preta do Brasil, porém foi utilizada como argumento para silenciá-la e induzir ao "mito da democracia racial" que nasce com o único objetivo de favorecer e justificar a discriminação entre raças. Gilberto Freye em sua obra postula que a miscigenação ameniza as relações tensas entre opressores e oprimidos, que o cruzamento inter-racial apaga as contradições, harmoniza as diferenças e dilui conflitos. Ao postular a conciliação entre raças e suavizar o conflito, ele nega o preconceito e a discriminação: "O problema do preconceito fica a cargo de uns negros mais isolados e uns brancos mais agressivos". Ele abre assim precedentes para que se coloque no negro a culpa do racismo e fornece a elite branca os argumentos para que se defendam e continuem usufruindo dos seus privilégios.

Neste cenário a discriminação e o racismo agora "velados" trabalharam e trabalham para a manutenção de privilégios da brancura. Assassinam-se negros e negras pela violência policial, nos humilham ao deteriorar nossos corpos, atitudes e história, destroem nossa auto estima ao nos privar de representatividade e reforçar estereótipos degradantes ao nosso respeito, renegam espaços a nós, nos impedem de ascender socialmente, e por fim nos responsabilizam por tudo isso.

O branco e seu sistema, portanto, nunca serão os culpados. Este é sempre esquecido, ou pouco lembrado na manutenção do racismo. Sua omissão e roubo histórico das riquezas geradas pela escravidão são deixados de lado para que se culpabilize o negro por sua posição social.

Entendia-se que a cidade não foi hostil com o negro, mas que ele não possuía os atributos psicossociais requeridos para se inserir numa organização de sociedade horizontal, nem o comportamento de homem livre. Tais argumentos não se distinguem da realidade atual ao se debater cotas nas universidades. A meritocracia presente no discurso branco diz que as oportunidades de inserção no ensino superior são iguais, que basta apenas estudar para se alcançar a tão sonhada vaga, esquece-se neste debate as políticas de exclusão dos negros, após a escravidão, já citadas e a perpetração do sistema racista que vige até hoje, que assedia, desumaniza, destrói e mata todos os dias.

As crianças do Projeto Formiguinha aproveitaram o evento para entrevistar Sara Amaral, cabeleireira afro de Bauru. (foto: Solon Neto)

Branqueamento

Se embranquecer serve para ser aceito na sociedade. Florestan Fernandes, teórico que se dedicou a estudar o local do negro na sociedade de classes, além de diversas outras questões sobre racismo, aponta a existência dos negros mestiços, mais claros que possuem a "oportunidade" de tentar se inserir no "mundo dos brancos", o negro obediente, o negro que sobe, que foge a todos os estereótipos sobre a negritude. Ele fala também do Self-made man, o negro que se "acostuma" com o preconceito racial e molda sua vida a partir dele. Octavio Ianni, estudante de ciências sociais na USP, e que se dedicou a compreender as relações raciais no país, aponta que o negro e o mulato¹ querem se branquear a todo custo, pois eles querem ascender e integrar-se. O simples fato de se casar com pessoas mais claras já auxilia nesse processo, ter filhos mais claros já é motivo de orgulho.

Busca-se ocupações e vestimentas que facilitem a entrada no círculo de brancos. Branqueamento e ascensão social parecem sinônimos para os negros, já que a sociedade de classes construída no Brasil, realmente parece o "mundo dos brancos".

A vergonha em assumir o cabelo crespo e cacheado e o consequente alisamento, a tentativa de afinação de traços negros e clareamento da pele e a inibição em procurar conhecer as origens negras de histórias individuais são consequências deste embranquecimento forçado.

Não se podendo deixar de lado a criação de divisões no movimento negro, a tentativa de exclusão daqueles que possuem a pele mais clara já que possuem privilégios (colorismo) e a construção identitária confusa e dolorosa daqueles que pelo sistema branco são denominados "morenos", pois sofrem com o racismo sem que possam denominar a violência assim. Tais consequências estimulam a separação preta e sustentam o sistema de privilégios da brancura. Sendo a população branca dominante em praticamente todas as esferas políticas, econômicas e sociais, o medo de perder tais privilégios é gigantesco.

“Quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda”

Em resposta a todos esses dados assombrosos e alarmantes, nos organizamos, construímos a discussão e esperamos incomodar. Queremos que a Unesp escureça e que a ideologia da brancura não seja mais dominante. Buscamos empoderar o povo preto, lutar pelos nossos direitos e representatividade dentro e fora da universidade e para isso além de inúmeras ações práticas, ciclos de debates como o realizado são imprescindíveis. Como disse Bento (1992) em seus estudos "quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda". Queremos que o racismo pare de ser visto como problema única e exclusivamente do negro e passe a ser entendido como um problema gerado pelo Branqueamento e pela Branquitude. Somos nós que instruiremos a luta, mas não toleraremos apatia.