Ciclo de Debates discute Branqueamento, Branquitude e Colorismo

por Julia Conceição

No último dia 20 de março, encerrou-se o ciclo de debates sobre Branqueamento, Branquitude e Colorismo promovido pelo “Coletivo Negro Kimpa”. O debate dividiu-se em três grandes temas: o "Negro de alma branca", “Na Raiz da Identidade”, e “Colorismo”, realizados nos dias 06, 19 e 20/03, respectivamente.

Relatos e discussões de dentro e fora da universidade demonstraram o silenciamento e o branqueamento imposto a negras e negros nos mais diversos espaços. Discutiu-se a solidão da mulher negra; o empoderamento; o caráter fenotípico do racismo à brasileira; o genocídio da população negra e pobre no Brasil; a desvalorização da estética negra e o número ínfimo de dessas pessoas no ambiente universitário.

O debate "“Na Raiz da Identidade” do dia 19/03, sobre estética e cabelo, contou com a presença das crianças do Projeto Formiguinha" (foto: Solon Neto)
Questão de Identidade Nacional

O histórico do racismo no Brasil elucida muitas questões debatidas no movimento negro. Após o fim da escravidão houve projetos políticos institucionais de extermínio da população preta do país. O pensamento racista da época teve o respaldo da religião e da ciência, sendo a última determinante, já que o século XIX foi marcado pela razão, expressada no meio científico.

Perpetuava-se como pensamento dominante a superioridade inata da raça branca em relação a todas as outras; não havia espaço no mundo europeu branco para negros, indígenas e etc. Para se adequar a esse modelo, o Brasil recorreu a medidas de branqueamento da população, na época composta por 55% de pessoas negras, agora libertas. Antes rechaçada, a miscigenação surgiu como solução; se havia uma superioridade nos genes brancos, seriam eles que prevaleceriam nas relações inter-raciais. Para que isso acontecesse, a imigração branca europeia igualou o número de escravos e escravas negros trazidos ao Brasil, seguindo a ideia de branqueamento. Acreditava-se que dessa forma a população seria branqueada em até 100 anos. Aliado isso, houve completa falta de políticas públicas de reinserção do negro na sociedade, exclusão moral, desumanização, confinamento psiquiátrico e encarceramento em massa, apoiados em teorias como a de Lombroso, que dizia que os traços negroides eram tidos como característicos de loucos e delinquentes.

A miscigenação não acabou com a população preta do Brasil, porém foi utilizada como argumento para silenciá-la e induzir ao "mito da democracia racial" que nasce com o único objetivo de favorecer e justificar a discriminação entre raças. Gilberto Freye em sua obra postula que a miscigenação ameniza as relações tensas entre opressores e oprimidos, que o cruzamento inter-racial apaga as contradições, harmoniza as diferenças e dilui conflitos. Ao postular a conciliação entre raças e suavizar o conflito, ele nega o preconceito e a discriminação: "O problema do preconceito fica a cargo de uns negros mais isolados e uns brancos mais agressivos". Ele abre assim precedentes para que se coloque no negro a culpa do racismo e fornece a elite branca os argumentos para que se defendam e continuem usufruindo dos seus privilégios.

Neste cenário a discriminação e o racismo agora "velados" trabalharam e trabalham para a manutenção de privilégios da brancura. Assassinam-se negros e negras pela violência policial, nos humilham ao deteriorar nossos corpos, atitudes e história, destroem nossa auto estima ao nos privar de representatividade e reforçar estereótipos degradantes ao nosso respeito, renegam espaços a nós, nos impedem de ascender socialmente, e por fim nos responsabilizam por tudo isso.

O branco e seu sistema, portanto, nunca serão os culpados. Este é sempre esquecido, ou pouco lembrado na manutenção do racismo. Sua omissão e roubo histórico das riquezas geradas pela escravidão são deixados de lado para que se culpabilize o negro por sua posição social.

Entendia-se que a cidade não foi hostil com o negro, mas que ele não possuía os atributos psicossociais requeridos para se inserir numa organização de sociedade horizontal, nem o comportamento de homem livre. Tais argumentos não se distinguem da realidade atual ao se debater cotas nas universidades. A meritocracia presente no discurso branco diz que as oportunidades de inserção no ensino superior são iguais, que basta apenas estudar para se alcançar a tão sonhada vaga, esquece-se neste debate as políticas de exclusão dos negros, após a escravidão, já citadas e a perpetração do sistema racista que vige até hoje, que assedia, desumaniza, destrói e mata todos os dias.

As crianças do Projeto Formiguinha aproveitaram o evento para entrevistar Sara Amaral, cabeleireira afro de Bauru. (foto: Solon Neto)

Branqueamento

Se embranquecer serve para ser aceito na sociedade. Florestan Fernandes, teórico que se dedicou a estudar o local do negro na sociedade de classes, além de diversas outras questões sobre racismo, aponta a existência dos negros mestiços, mais claros que possuem a "oportunidade" de tentar se inserir no "mundo dos brancos", o negro obediente, o negro que sobe, que foge a todos os estereótipos sobre a negritude. Ele fala também do Self-made man, o negro que se "acostuma" com o preconceito racial e molda sua vida a partir dele. Octavio Ianni, estudante de ciências sociais na USP, e que se dedicou a compreender as relações raciais no país, aponta que o negro e o mulato¹ querem se branquear a todo custo, pois eles querem ascender e integrar-se. O simples fato de se casar com pessoas mais claras já auxilia nesse processo, ter filhos mais claros já é motivo de orgulho.

Busca-se ocupações e vestimentas que facilitem a entrada no círculo de brancos. Branqueamento e ascensão social parecem sinônimos para os negros, já que a sociedade de classes construída no Brasil, realmente parece o "mundo dos brancos".

A vergonha em assumir o cabelo crespo e cacheado e o consequente alisamento, a tentativa de afinação de traços negros e clareamento da pele e a inibição em procurar conhecer as origens negras de histórias individuais são consequências deste embranquecimento forçado.

Não se podendo deixar de lado a criação de divisões no movimento negro, a tentativa de exclusão daqueles que possuem a pele mais clara já que possuem privilégios (colorismo) e a construção identitária confusa e dolorosa daqueles que pelo sistema branco são denominados "morenos", pois sofrem com o racismo sem que possam denominar a violência assim. Tais consequências estimulam a separação preta e sustentam o sistema de privilégios da brancura. Sendo a população branca dominante em praticamente todas as esferas políticas, econômicas e sociais, o medo de perder tais privilégios é gigantesco.

“Quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda”

Em resposta a todos esses dados assombrosos e alarmantes, nos organizamos, construímos a discussão e esperamos incomodar. Queremos que a Unesp escureça e que a ideologia da brancura não seja mais dominante. Buscamos empoderar o povo preto, lutar pelos nossos direitos e representatividade dentro e fora da universidade e para isso além de inúmeras ações práticas, ciclos de debates como o realizado são imprescindíveis. Como disse Bento (1992) em seus estudos "quanto mais o negro ascende, mais ele incomoda". Queremos que o racismo pare de ser visto como problema única e exclusivamente do negro e passe a ser entendido como um problema gerado pelo Branqueamento e pela Branquitude. Somos nós que instruiremos a luta, mas não toleraremos apatia.

This entry was posted on sexta-feira, 27 de março de 2015 and is filed under ,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.